Políticos gastam mais de R$ 1,49 milhão de verba pública para participar de evento de Gilmar Mendes em Lisboa; Lira, beneficiado por decisão de Gilmar em investigação anulada, utilizou avião da FAB

Ministro Gilmar Mendes, decano do Supremo Tribunal Federal | Imagem por Joédson Alves/Agência Brasil (EBC)

BRASÍLIA, 19 de agosto — De acordo com dados da transparência e de solicitações via Lei de Acesso à Informação obtidos pela Folha, vários políticos e membros do governo gastaram ao menos ao menos R$ 1,49 milhão (gastos três vezes menores geraram escândalo em 2019) em passagens e hospedagens para participar da 11ª edição do Fórum Jurídico de Lisboa (Portugal), que aconteceu no fim de junho e foi patrocinado pelo IDP (Instituto de Direito Público), do ministro do Supremo Gilmar Mendes.

Vários políticos sequer palestraram no evento e viajaram com dinheiro público apenas para marcar presença, fazendo uma escala e se dirigindo para países próximos (outros eventos políticos e viagens).

Segundo os dados da transparência, os presidentes do Congresso, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco foram ao evento de Gilmar em voos da Força Aérea Brasileira.

Ambos, Lira (abriu essa edição do Fórum) e Pacheco, palestraram no evento, falando sobre os temas “Estado democrático de Direito e defesa das instituições” e “Políticas públicas, desenvolvimento, responsabilidade fiscal e socioambiental”.

Durante o seu discurso no evento, ao lado de Gilmar, Lira aproveitou para criticar duramente o posicionando das empresas de redes sociais contra o chamado PL da Fake News; segundo Lira, o posicionamento das empresas “ultrapassou o limite do contraditório democrático”.

Arthur Lira foi beneficiado no início deste mês por uma decisão do ministro Gilmar Mendes, que seguindo a manifestação da vice-PGR Lindôra Araújo, anulou as provas que envolviam indiretamente o presidente da Câmara em uma investigação sobre suspeita de desvios em contratos de kits de robótica no estado do Alagoas.

Segundo Gilmar, as provas colhidas na Operação Hefesto (parte de um inquérito da PF) que envolvia antigos aliados de Lira e Ciro Nogueira, não teriam validade porque miravam o presidente da Câmara (interpretação da defesa do deputado Arthur Lira) e isso seria competência exclusiva do Supremo, e não da primeira instância.

A Operação Hefesto aconteceu no último dia 01/06 e teria por objetivo desarticular uma organização criminosa suspeita de praticar crimes de fraude em licitação e lavagem de dinheiro com a utilização do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) para o fornecimento de equipamentos de robótica para 43 municípios do estado do Alagoas.

De acordo com a PF, foram realizadas, pelos sócios da única empresa fornecedora e pelos outros investigados, movimentações financeiras para “pessoas físicas e jurídicas sem capacidade econômica e sem pertinência com o ramo de atividade de fornecimento de equipamentos de robótica”, o que, segundo a PF, poderia indicar a ocultação de bens, direitos e valores provenientes dos crimes.

Algumas das transações citadas teriam sido fracionadas em quantias individuais abaixo de R$ 50 mil, com o aparente fim de burlar o sistema de controle do COAF.Logo em seguida, eram realizados saques em espécie e entregas dos numerários aos destinatários.

Do total de recursos para a aquisição de kits de robótica que foram distribuídos no Brasil neste período, 67,6% foram destinados ao estado do Alagoas, que foi acompanhado pelo Pernambuco, que ficou com 13%, Amazonas com 4,7%, Rio com 3,7%, Mato Grosso do Sul com 3,5%, São Paulo com 2%, Tocantins com 1,3%, Amapá com 1,2%, Piauí com 1,1%, Bahia com 0,7%, Paraná com 0,3%, Maranhão com 0,3%, Santa Catarina com 0,2%, Sergipe com 0,1%, Goiás com 0,1%, e assim por diante.

Ao menos R$ 26 milhões foram destinados a escolas de Alagoas (para a compra dos kits) que sequer possuíam internet, computadores ou até, em alguns casos, água encanada.

Satisfeito com a decisão de Gilmar, em suas redes sociais o político disse ter sido injustiçado com a investigação por desvios em seu estado (anulada); “sempre confiei plenamente no Poder Judiciário”.

Entre os membros do governo que emitiram passagens e receberam por hospedagens estão o ministro do Trabalho Luiz Marinho, o ministro de Minas e Energia Alexandre Silveira, o ministro da Controladoria-Geral da União Vinicius Carvalho e a presidente do FNDE Fernanda Pacobahyba.

Silveira, que já estava em Paris com o presidente Lula, passou em Portugal para participar do evento ao custo de R$ 87 mil. Ele justificou a viagem dizendo que teve “agendas bilaterais estratégicas para o ministério em Portugal”.

Entre viagem e diárias, Pacobahyba gastou R$ 34 mil para comparecer no fórum. Como justificativa, ela disse que tambem teria participado de uma mesa sobre “desafios do ensino superior após a pandemia” com o ministro da Educação, Camilo Santana.

Pacheco disse que, apesar de viajar com voo da FAB, não recebeu pelas diárias, e usou a viagem para se reunir com o embaixador do Brasil em Portugal, além de palestrar no Parlamento português e na Universidade de Coimbra.

Os governadores do Rio e de São Paulo também participaram do evento. De acordo com o governo paulista, os compromissos do governador em Lisboa teriam sido divulgados e a participação não teria sido renumerara. O governo carioca não comentou o assunto.


(Em atualização)

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