
BRASÍLIA, 8 de abril — O ministro das Comunicações, Juscelino Filho, que mais cedo virou notícia após ser denunciado formalmente pela Procuradoria-Geral da República (PGR) ao Supremo Tribunal Federal (STF) por supostos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa, em uma investigação sobre o desvio de emendas parlamentares durante seu mandato como deputado federal, pediu demissão e deixou o governo.
O agora ex-ministro, que era uma indicação política do atual presidente do Senado, Davi Alcolumbre, deverá ser substituído pelo deputado Pedro Lucas Fernandes, líder do União Brasil na Câmara.
Foi Davi Alcolumbre quem telefonou ao presidente Lula para comunicar tanto a decisão de demissão (passou o telefone para Juscelino) quanto a nova indicação do partido.
Em carta pública, o agora parlamentar classificou sua demissão como “uma das decisões mais difíceis da minha trajetória pública”, afirmou que sua saída representa “gesto de respeito ao governo e ao povo brasileiro” e disse que as acusações que lhe foram imputadas são “infundadas”.
“Hoje tomei uma das decisões mais difíceis da minha trajetória pública. Solicitei ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva meu desligamento do cargo de ministro das Comunicações. Não o fiz por falta de compromisso, muito pelo contrário. Saio por acreditar que, neste momento, o mais importante é proteger o projeto de país que ajudamos a construir e em que sigo acreditando. Nos últimos dois anos e quatro meses, vivi a missão mais desafiadora — e, ao mesmo tempo, mais bonita — da minha vida pública: ajudar a conectar os brasileiros e unir o Brasil. Trabalhar por um país onde a inclusão digital não seja privilégio, mas direito. Levar internet onde antes só havia isolamento. Criar oportunidades onde só havia ausência do Estado. Tive o apoio incondicional do presidente Lula. Um líder a quem admiro profundamente e que sempre me garantiu liberdade e respaldo para trabalhar com autonomia e coragem. Nunca tive apego ao cargo, mas sempre tive paixão pela possibilidade de transformar a vida das pessoas — especialmente das que mais precisam. A decisão de sair agora também é um gesto de respeito ao governo e ao povo brasileiro. Preciso me dedicar à minha defesa, com serenidade e firmeza, porque sei que a verdade há de prevalecer. As acusações que me atingem são infundadas, e confio plenamente nas instituições do nosso país, especialmente no Supremo Tribunal Federal, para que isso fique claro. A justiça virá! Retomarei meu mandato de deputado federal pelo Maranhão, de onde seguirei lutando pelo Brasil. Com o mesmo compromisso, a mesma energia e ainda mais fé. Saio do Ministério com a cabeça erguida e o sentimento de dever cumprido. O Brasil está em outro patamar. Estamos levando banda larga a 138 mil escolas, destravamos o Fust – que estava parado há mais de duas décadas – para investimento de mais de R$ 3 bilhões em projetos de inclusão digital, entregamos mais de 56 mil computadores em comunidades carentes, estamos conectando a Amazônia com 12 mil km de fibra óptica submersa e deixamos pronta a TV 3.0, que vai revolucionar a televisão aberta no país. É esse legado que deixo. E é com ele que sigo, de pé, lutando por justiça, pela democracia e pelo povo brasileiro. Meu agradecimento a toda a minha equipe, ao presidente Lula, mais uma vez, ao meu partido União Brasil e, em especial, ao povo do Maranhão que me escolheu para ser seu representante na vida pública. Me orgulha muito ser maranhense e poder ter contribuído com meu Estado e meu País.” -Juscelino Filho
Lula já havia afirmado publicamente, no ano passado, que afastaria o ministro caso houvesse uma acusação formal, para que ele pudesse se defender fora do cargo.
“O que eu disse para ele: só você sabe a verdade. Se o procurador indiciar você sabe que tem que mudar de posição. Enquanto não houver indiciamento (denúncia), ele fica como ministro. Se houver indiciamento (denúncia), ele será afastado” -Lula (2024)
É esperado que a nomeação do novo ministro das Comunicações ocorra nos próximos dias.
Juscelino havia sido indiciado pela Polícia Federal (PF) em junho do ano passado acusado de corrupção e formação de organização criminosa em um caso que envolve o desvio de recursos públicos em obras de pavimentação financiadas pela CODEVASF (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba). Controlada pelo Centrão, a estatal administra verbas do chamado “orçamento secreto”, atualmente tratadas apenas como “emendas parlamentares”.
O ex-ministro também já havia sido alvo de uma Operação da PF (utilizada nesta denúncia da PGR) em setembro de 2023, batizada de “Operação Benesse” (desdobramento da “Operação Odoacro”, de 2021 e 2022), que chegou a afastar sua irmã Luanna Rezende, prefeita em segundo mandato de Vitorino Freire (MA).
A acusação da PF fala sobre irregularidades em obras realizadas em Vitorino Freire (MA) que foram financiadas por emendas parlamentares indicadas pelo ministro durante seu mandato como deputado federal, que beneficiavam a construtora “Construservice” (principal empresa citada no inquérito) na realização de asfaltamentos.
A “Construservice” tem como sócio oculto Eduardo Costa Barros (os sócios oficiais da empresa foram convidados por Eduardo e sequer se conheciam), conhecido localmente como “Eduardo DP” ou “Imperador”, que foi preso na primeira fase da operação original, em 2022.
De acordo com a PF, as licitações das obras eram realizadas com empresas de fachada (simulação de competição) com o propósito de fazer com que a empresa vencedora fosse sempre a de Eduardo.
Mesmo nunca tendo realizado contratos com o governo federal até 2019, de acordo com a Transparência, a empresa participou de obras de pavimentação em seis estados e recebeu cerca de R$ 400 milhões.
Ao menos R$ 42 milhões foram apontados por Juscelino Filho, como deputado, para obras de empreiteiras envolvidas no inquérito (R$ 19,3 milhões para a Construservice).
Uma parcela dos recursos investigados foi utilizada para asfaltar uma rodovia rodovia que leva à fazenda da família do ex-ministro.
A PF já disse que encontrou diálogos entre o ex-ministro Juscelino e Eduardo “Imperador”, que são amigos de longa data.

Segundo um relatório da PF, as mensagens mostram a “atuação criminosa de Juscelino Filho” e que “sua função na Orcrim (organização criminosa) era conhecida por todos os membros” do grupo liderado por Eduardo DP.
“Resta cristalina a relação criminosa pactuada entre Juscelino Filho e Eduardo DP” -PF
Mensagens entre Juscelino e Eduardo apuradas pela PF mostram que o próprio ministro teria uma empresa, chamada ARCO Construções, que seria mantida por laranjas (ex-assessores), e que já realizou obras em Vitorino Freire financiadas por emendas enviadas por ele mesmo.
A PF também encontrou transações entre a ARCO e Eduardo DP.
Em 29 de setembro de 2022, a Codevasf já havia afastado, por determinação da Justiça Federal, o ex-gerente da 8ª Superintendência da estatal em São Luís (MA), Julimar Alves da Silva Filho, que segundo a PF teria recebido R$ 250 mil da construtora Construservice.
Segundo dados da transparência, obtidos pelo O Estado de S. Paulo em 2023, desde 2015, quando Juscelino assumiu seu primeiro mandato como deputado federal, ao menos quatro empresas de amigos, ex-assessoras e uma cunhada do ministro foram beneficiadas com contratos com a prefeitura de Vitorino Freire que somados ultrapassam a cifra de R$ 36 milhões.
A denúncia ao Supremo deverá ser relatada por Flávio Dino, na Primeira Turma, em processo sigiloso herdado da ministra Rosa Weber. É possível que o ministro se declare impedido de atuar no caso, por envolver um ex-colega de Esplanada.
Caso Dino permaneça como relator do processo, ele deverá abrir prazo para que os advogados de Juscelino apresentem sua defesa.
Se a denúncia for aceita pela Corte, terá início a fase de coleta de depoimentos e produção de provas, seguida do julgamento pelos ministros do STF.
Essa não foi a primeira polêmica criada pelo ministro no governo.
No início do ano passado, Juscelino Filho usou um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) e recebeu quatro diárias e meia no mesmo fim de semana em que participou de leilões de cavalos de raça.
A viagem foi solicitada com status de urgência para o cumprimento de compromissos oficiais.
De acordo com an agenda do ministro, os eventos que contavam com a presença dele totalizavam apenas duas horas e meia.
Os advogados do Juscelino Filho chegaram a dizer que ele ‘pegou uma carona’ no voo de volta com o ministro do Trabalho Luiz Marinho e que isso não teria custado dinheiro público extra, porém os documentos do ministério da Defesa mostraram que isso não era a realidade e que um voo foi solicitado pelo próprio ministro.
Dados obtidos via Lei de Acesso à Informação também mostraram que Juscelino não constava na relação de passageiros do voo de Luiz Marinho.
Os voos pela FAB de ida e volta do ministro custaram aos cofres públicos R$ 130.392,87.
(Matéria em atualização)