CARACAS, 9 de março — A – única – opositora venezuelana María Corina Machado, que nos últimos meses virou notícia no Brasil após ser inabilitada de concorrer nas eleições da Venezuela, além de ter viralizado por conta de comentários realizados pelo presidente Lula, que sem citar seu nome disse que a oposição do país deveria escolher outro candidato e não ficar “chorando”, voltou hoje às páginas de notícias ao denunciar a prisão de mais um de seus dirigentes de campanha, Emil Brandt Ulloa, depois de um evento político realizado por Corina no estado de Barinas.
“Denuncio aos venezuelanos e ao mundo que o regime de Nicolás Maduro sequestrou nosso Diretor do Comando de Campanha do estado de Barinas, Emill Brandt, apenas algumas horas depois de eu ter percorrido este estado. Há 47 dias, sequestraram nossos Diretores dos Comandos de Campanha dos estados de Trujillo, Vargas e Yaracuy, que hoje estão presos no Helicoide, o maior centro de tortura da América Latina. Essa ação constitui mais uma violação ao já desrespeitado Acordo de Barbados e demonstra que Maduro optou por seguir “pelo caminho errado”. Exigimos uma reação firme de todos os atores nacionais e internacionais que apoiam uma verdadeira eleição presidencial na Venezuela. Continuaremos percorrendo todo nosso país na construção de mais força e organização cidadã para alcançar a vitória eleitoral este ano.” -Corina Machado
Ainda nesta tarde, o procurador-geral do regime venezuelano justificou a prisão de Ulloa dizendo que ele estava sendo procurado “há semanas”, que “foi citado para comparecer no escritório fiscal, mas não apareceu” e que o dirigente estaria “incriminado nos eventos violentos ocorridos em Barinas em 15 de janeiro de 2024, os quais faziam parte do plano inicial de executar ações terroristas em 1º de janeiro em Tachira até escalarem para Caracas”.
Ulloa responderá pelas acusações (formais) de: “Conspiração, Associação, Violência de Gênero, e Ultraje ao Funcionário Público, motivado pelas agressões que ele infligiu a várias mulheres policiais e militares”.
Além dos dirigentes que já foram presos e liberados (por conta de uma negociação que aconteceu na Noruega), ainda estão presos, desde o dia 23 de janeiro, os outros dirigentes de campanha: Luis Camacaro, Guillermo López e Juan Freites. Seus familiares não possuem informações sobre os seus paradeiros (presos políticos geralmente são levados para um conhecido centro de torturas do regime venezuelano chamado El Helicoide).
Ainda segundo a agenda que foi divulgada ontem, a campanha eleitoral no país começará dia 4 de maio, pouco depois do registro oficial das candidaturas, que acontecerá neste mês de março, entre os dias 21 e 25.
A data do pleito e a realização das eleições ainda eram uma dúvida desde que Maduro resolveu inabilitar eleitoralmente seus adversários, entre eles María Corina Machado, que figurava na posição de maior opositora do ditador venezuelano até o momento.
Não é esperado que o regime venezuelano volte a habilitar a candidatura de Corina Machado, então não está claro como será realizado este pleito, que não possui candidatos de oposição viáveis e com possibilidade de candidatura.
A inabilitação da principal opositora na Venezuela acabou sendo condenada publicamente por vários presidentes da região, incluindo os mandatários da esquerda política que geralmente são próximos a Maduro.
Dos principais países da América do Sul, apenas Brasil e Colômbia ainda não condenaram as impugnações das candidaturas da oposição venezuelana.
Outro motivo que gerou uma forte onda de condenações dos governos da região foi a recente (09/02) prisão da ativista de direitos humanos Rocío San Miguel, conhecida opositora de Maduro, enquanto ela estava em um aeroporto venezuelano pronta para viajar com a família.
De acordo com o procurador-geral do regime venezuelano Tarek William Saab, a ordem de prisão contra Rocío se justifica por ela “supostamente estar ligada e referenciada na trama conspiratória e de tentativa de assassinato denominada ‘Pulseira Branca’, cujo objetivo era atentar contra a vida do Chefe de Estado Nicolás Maduro e outros altos funcionários; bem como o ataque a várias unidades militares em San Cristóbal (Táchira) e outras entidades do país.”.
A prisão de Rocío em um presídio conhecido por ser um centro de tortura do regime venezuelano (El Helicoide) gerou críticas até do órgão de direitos humanos da ONU que ficava no país até então. As críticas foram respondidas por Maduro com a expulsão de todos os funcionários do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos que estavam país desde 2019.
HISTÓRIA DA INABILITAÇÃO DE CORINA MACHADO: Em fevereiro de 2014, Corina foi uma das maiores líderes das grandes manifestações contrárias ao regime venezuelano que foram registradas no país.
Seu mandato na Assembleia Nacional venezuelana, que na época era comandada por Diosdado Cabello, um dos maiores narcotraficantes da América do Sul, hoje um dos ‘braços direitos’ de Maduro e líder da milícia armada do regime, os “Colectivos”, foi cassado cerca de um mês depois.
Em 2015, com o argumento de que Corina não havia declarado patrimônios que havia recebido (o que foi negado por ela), a Controladoria-Geral venezuelana condenou a opositora a não exercer cargos públicos por 12 meses e a proibiu de deixar o país.
Em teoria, Corina já estava liberada para concorrer às eleições venezuelanas, porém a Corregedoria-Geral local decidiu em julho do ano passado, após um pedido de revisão de um deputado aliado do regime, que por ela ter apoiado as sanções dos Estados Unidos contra o ditador Maduro, a punição receberia uma “extensão” de 15 anos, contando da data da decisão.
Desde então, Corina aguardava um recurso no Supremo venezuelano, que poderia reformar a decisão por conta de um acordo entre oposição e regime que foi firmado na Noruega (acordo não cumprido).
Corina, uma “católica ferrenha”, é conhecida localmente como “dama de ferro” e sempre representou a ala mais contrária aos chavistas, rejeitando qualquer tipo de acordo e sendo opositora e crítica até do antigo governo paralelo de Juan Guaidó.
Controversa posição pública brasileira: Em março do ano passado, ao retornar ao Brasil após uma visita com direito a encontro com o ditador Nicolás Maduro, o assessor especial da Presidência Celso Amorim, que cumpre a função de chanceler informal do governo, mesmo com os claros sinais de que Maduro não respeitaria qualquer tipo de eleições limpas na Venezuela, disse em entrevistas que “em 20 anos” de relações com o país, ele nunca havia visto “um clima tão grande deincentivo à democracia”.
Em maio e junho do mesmo ano vieram mais duas falas polêmicas sobre a Venezuela que partiram do próprio presidente Lula.
Em maio, o mandatário brasileiro criou polêmica ao dizer, ao lado de Maduro, que o autoritarismo e a “antidemocracia” venezuelana são uma narrativa; “nossos adversários vão ter que pedir desculpa”.
Em junho, em uma entrevista concedida pelo presidente Lula à Rádio Gaúcha, o presidente disse que o “conceito de democracia é relativo” e que “quem quiser derrotar o Maduro, derrote nas próximas eleições e assuma o poder”, dando ar de legitimidade ao processo eleitoral venezuelano que é contestado até pela ONU.
Ambas as falas foram seguidas de uma série de reparações e ajustes pela equipe próxima do presidente, que passou semanas modulando o discurso que deveria ser utilizado em declarações públicas.
Na última sexta-feira (1), durante a cúpula da Celac, Lula conversou com Maduro por mais de uma hora. De acordo com interlocutores do governo, Lula ouviu mais promessas de Maduro que disse que as eleições de fato aconteceriam neste segundo semestre, e que “um novo acordo com partidos de oposição” teria sido firmado (ainda não existem registros de novos acordos).
(Matéria em atualização)