
SÃO PAULO, 3 de junho — Citando ‘piadas contra minorias’ feitas em um show de comédia realizado em 2022, em Curitiba, para 4.000 pessoas pagantes — e que foi publicado no YouTube, onde permaneceu por mais de 200 dias sem qualquer problema, alcançando mais de 3 milhões de visualizações antes de ser removido por ordem judicial a pedido do Ministério Público de São Paulo — a juíza federal Barbara de Lima Iseppi, da 3ª Vara Criminal Federal de São Paulo, acatando um pedido do Ministério Público Federal (MPF), condenou o humorista Léo Lins a 8 anos, 3 meses e 9 dias de prisão em regime inicial fechado, além do pagamento de multa de R$ 1,4 milhão (equivalente a 1.170 salários mínimos de 2022) e indenização por danos morais coletivos no valor de R$ 303,6 mil.
Em sua decisão, a juíza afirma não considerar que as falas proferidas no show de comédia possam ser classificadas como “humor”, argumentando que vivemos em uma nova “era” em que o humor sobre determinados temas se tornou um “recurso argumentativo dissonante da dignidade humana”.
“Com o devido respeito à profissão de comediante do réu e às pessoas que o admiram e acompanham como as testemunhas, a tese defensiva sobre o conteúdo das falar consistir em ‘humor’ não pode ser acolhida. Isso porque o ‘animus jocandi’, expressão latina que se refere à intenção de causar humor ou diversão (excludente de tipicidade do crime de injúria), é de uma época em que piadas ‘politicamente incorretas’, com referências a uma lista sem fim de vítimas (negros, membros da comunidade LGBTQIA+, judeus, muçulmanos, católicos, ateus, loiras, deficientes, gordos) eram admitidas/toleradas sob o fundamento da liberdade ilimitada do humor. Ocorre que nesta era consagrada aos Direitos Humanos como uma conquista inegociável da civilização, o ‘animus jocandi’ é recurso argumentativo dissonante da dignidade da pessoa humana (CF, art.1º, III), não podendo ser tratado como ‘um habeas corpus perpétuo para a prática de ofensas inconsequentes contra a honra alheia […] O exercício da liberdade de expressão não é absoluto nem ilimitado, devendo se dar em um campo de tolerância e expondo-se às restrições que emergem da própria lei. No caso de confronto entre o preceito fundamental de liberdade de expressão e os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica, devem prevalecer os últimos” –juíza federal Barbara de Lima Iseppi
O show em questão, intitulado “Perturbador”, já chegou a ser retirado do ar em 2023 por decisão da juíza Gina Fonseca Correa, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), que impôs inclusive restrições como a proibição de o humorista se ausentar de sua cidade por mais de 10 dias e de fazer qualquer comentário relacionado a “raça, cor, etnia, religião, cultura, origem, procedência nacional ou regional, orientação sexual ou de gênero, condição de pessoa com deficiência ou idosa, crianças, adolescentes, mulheres ou qualquer categoria considerada como minoria ou vulnerável”, mas a medida foi posteriormente suspensa (mantida a parte criminal) pelo ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), que apontou a existência de censura prévia na sentença.
Na época da proibição imposta pela juíza do TJ-SP, humoristas como Danilo Gentili, Rogério Morgado, Carioca, Rafinha Bastos, Thiago Ventura, Rodrigo Capella e Oscar Filho criticaram publicamente a decisão da Justiça paulista. Os humoristas Fábio Porchat e Antônio Tabet excluíram seus posts que criticavam a decisão.
Nesta decisão mais recente, assinada em 30 de maio e anunciada hoje pelo MPF, que deverá novamente tirar do ar os vídeos do especial de comédia, a juíza Barbara de Lima Iseppi considerou como “agravante” da pena de Léo Lins o fato de as declarações terem sido feitas em um ‘contexto de descontração, diversão ou recreação’, além da divulgação do vídeo na internet e do amplo alcance das piadas.
Como se trata de uma decisão em primeira instância, ainda cabe recurso.
De acordo com o texto da nota da defesa de Léo Lins, assinada pelos advogados Carlos Eduardo Ramos e Lucas Giuberti, que já anunciaram que vão recorrer, o episódio “trata-se de um triste capítulo para a liberdade de expressão no Brasil, diante de uma condenação equiparada à censura”.
Íntegra da nota divulgada pela defesa do humorista Léo Lins: “A defesa do humorista Leo Lins recebeu, na presente data, com grande surpresa, a publicação da sentença que lhe impôs pena de 8 anos, 3 meses e 9 dias de reclusão, em regime fechado, além do pagamento de R$ 303.600,00 a título de danos morais coletivos. Trata-se de um triste capítulo para a liberdade de expressão no Brasil, diante de uma condenação equiparada à censura. Ver um humorista condenado a sanções equivalentes às aplicadas a crimes como tráfico de drogas, corrupção ou homicídio, por supostas piadas contadas em palco, causa-nos profunda preocupação. Apesar desse episódio, mantemos plena confiança no Poder Judiciário nacional, que tantas vezes tem sido acionado para garantir direitos e liberdades individuais. A defesa informa que interporá o competente recurso de apelação e confia em que essa injustiça será reparada em segunda instância.” -Carlos Eduardo Ramos (OAB/SP 297.102) e Lucas Giuberti (OAB/ES 29.865)
(Matéria em atualização)