Ministro do governo de órgão que negocia acordos de leniência da Lava Jato tem escritório que defende a Odebrecht há 6 anos

Posse do ministro Vinícius Marques de Carvalho | Imagem por Ricardo Stuckert/Presidência da República

BRASÍLIA, 15 de abril — O ministro Vinícius Marques de Carvalho, escolhido por Lula para comandar a Controladoria-Geral da União (CGU) desde o início de seu governo, que é o órgão que está renegociando os acordos de leniência fechados pela Lava Jato, entrou no noticiário nacional hoje por ter um escritório de advocacia que defende a NOVONOR (antiga Odebrecht), uma das empresas mais lembradas nos escândalos de corrupção da Lava Jato e que também está renegociando seus acordos de leniência; o nome conhecido escritório leva as iniciais do nome do próprio ministro, “VMCA Advogados”.

De acordo com jornal O Estado de S. Paulo, apesar de Vinícius Marques, ao tomar posse como ministro de Lula, ter se afastado da banca de advogados do escritório VMCA Advogados, que hoje é administrado por sua esposa Marcela Mattiuzzo e Ticiana Lima, o ministro pediu autorização – que foi concedida – da Comissão de Ética Pública (CEP) em janeiro de 2023 para continuar recebendo os dividendos do escritório sob a alegação de ser um “sócio patrimonial”.

Ao jornal, o ministro disse que apesar da autorização, não recebe mais lucros, dividendos, ou honorários do escritório VMCA desde a sua posse, e que se declara impedido de decidir sobre homologações referentes à Odebrecht. O ministro porém, não esclareceu se sua esposa continua recebendo os mesmos lucros, dividendos ou honorários do escritório.

O escritório VMCA Advogados, que surgiu em 2017 e tem uma reputação sólida por sua parceria com grandes empresas (contratos milionários) em casos que envolvem conformidade, regulamentação e antitruste, tem um foco especial no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), órgão que foi presidido entre os anos de 2012 e 2016 pelo próprio ministro Vinícius Marques.

É justamente neste órgão que o escritório tem uma procuração para atuar em favor da NOVONOR (Odebrecht) com relação à renegociação de um acordo de leniência.

A última reunião da CGU, órgão presidido por Vinícius Marques, com empreiteiras envolvidas em casos da Lava Jato, aconteceu no dia 12 de março. Na reunião, que tratava das negociações de acordos de leniência, estiveram presentes advogados da Odebrecht e de mais sete empreiteiras, entre elas a Andrade Gutierrez, Camargo Correa e a famosa OAS.

Em 1 de fevereiro deste ano, o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, seguindo a própria decisão relacionada à J&F, decidiu por suspender os pagamentos do acordo de leniência firmado com a polêmica Odebrecht, na Lava Jato, no valor acordado de R$3,8 bilhões.

Este acordo de leniência havia sido fechado com a Lava-Jato em dezembro de 2016 após a construtora confessar corrupção em 49 contratos de obras públicas entre os anos de 2006 e 2014.

Para defender a suspensão do acordo, Toffoli seguiu a mesma linha de sua decisão favorável à J&F, que utilizou as mensagens da chamada “vaza jato”, que foram copiadas ilegalmente, para dizer que havia “no mínimo uma dúvida razoável” na “voluntariedade dos acordos” com o grupo, indicando que a Lava Jato se utilizou de meios que levassem as empresas ao caminho das delações e acordos.

Na época dos escândalos da empresa, uma famosa lista de apelidos, atribuídos por diretores da própria Odebrecht, viralizou no Brasil com nomes que seriam dados a políticos e agentes do Estado. Os nomes estavam em planilhas e emails da companhia.

Um nome que circulou na época, foi o do próprio ministro Dias Toffoli, que foi chamado em um email interno de Marcelo Odebrecht de “amigo do amigo de meu pai, em referência ao pai de MarceloEmílio Odebrecht.

O apelido atribuído por Marcelo ao ministro gerou um dos episódios mais graves da democracia moderna brasileira, quando Toffoli determinou, em um ordem assinada por Alexandre de Moraes, a retirada da matéria da Revista Crusoé que falava sobre o assunto. A decisão de Toffoli ainda incluía uma convocação para que os jornalistas, que citaram um email real e uma delação real que estavam nos autos da Lava Jato, prestassem depoimentos na Polícia Federal em 72 horas, além multa diária de R$ 100 mil para um eventual descumprimento da ordem judicial.

Na ordem, Moraes disse que Toffoli “autorizou” a investigação e que conteúdo da reportagem seria “mentiras” e “fake news” como o fim de atingir as “instituições brasileiras”.

Por conta da enorme repercussão negativa pela censura à Crusoé, censura essa que recebeu críticas até de outros ministros do Supremo, Moraes revogou a medida argumentando que ficou comprovado que realmente existia o documento citado pela reportagem.

Corrigindo pela taxa selic, o valor acertado entre a Lava Jato e a Odebrecht no acordo de leniência que teve o pagamento suspenso agora por Toffoli, chegaria a cerca de R$8,5 bilhões nos 23 anos de pagamentos.

Ao todo, 77 executivos da construtora confessaram crimes em acordos homologados pelo Supremo.

A empresa, que foi implicada em casos de corrupção em dezenas de países e causou a prisão de vários presidentes e políticos pelo mundo (um ex-presidente peruano chegou a se matar para não ir preso), foi chamada pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidoscomo a responsável pelo “maior caso de corrupção global da história”.

Entre os países que implicaram a empresa em escândalos de corrupção estão o Brasil, Estados Unidos, Suíça, República Dominicana, Panamá, Equador, Peru, Guatemala, Guiné Equatorial, Gana, Moçambique, Colômbia, Argentina, Portugal, México e Angola.


Há pouco, o ministro publicou uma nota de defesa em suas redes sociais pessoais com um link de uma nota pública no site do governo federal dizendo que O Estado de S. Paulo fez “ilações infundadas” sobre a sua conduta como ministro. Em nenhum ponto da nota o ministro cita o caso de sua esposa Marcela Mattiuzzo, que hoje administra o escritório citado na matéria junto com Ticiana Lima.


(Matéria em atualização)

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