Após conversar com Lira fora da agenda, Moraes aparece de surpresa no Senado e faz discurso citando a regulamentação das redes sociais

Rodrigo Pacheco e Alexandre de Moraes (17/04/2024) | Imagem por Geraldo Magela/Agência Senado

BRASÍLIA, 17 de abril — Um dia após a aprovação no Senado de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 45/23), em dois turnos, que fala na proibição da posse de todas as drogas, independentemente da quantidade, que vai contra o entendimento quase formado pelo Supremo Tribunal Federal sobre o tema, o ministro Alexandre de Moraes fez há pouco uma visita surpresa à Casa Alta legislativa para participar da apresentação do anteprojeto do novo Código Civil, que foi elaborado por uma comissão de 40 juristas presididos pelo ministro Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

A visita não estava marcada e foi comunicada ao senador Rodrigo Pacheco de última hora, por telefone, minutos antes do início da sessão (os dois são muito próximos).

Em seu breve discurso, sentado ao lado de Pacheco, o ministro elogiou a formação da comissão e ressaltou a importância da lei de se adaptar para os tempos modernos, citando até a polêmica regulamentação das redes sociais, que está travado na forma do “PL das Fake News” na Câmara desde maio do ano passado por falta de votos.

“Veio em boa hora a iniciativa de vossa excelência de constituir essa comissão para atualizar e para tratar de questões complexas que surgiram nos últimos 20 anos […] Vossa excelência [Rodrigo Pacheco] lembrou que na virada do século não existiam redes sociais; nós já éramos felizes e não sabíamos. A necessidade dessa regulamentação, do tratamento, da responsabilidade, do tratamento de novas formas obrigacionais. Então a comissão fez exatamente isso […] Há a necessidade da regulamentação de novas modalidades contratuais que surgiram, a questão de costumes, novas relações familiares, novas modalidades de se tratar nas questões do direito de família e sucessões, a tecnologia, a inteligência artificial, novas formas de responsabilidade civil, isso é importantíssimo. Vossa Excelência lembrou que, na virada do século não existiam redes sociais, né, nós éramos felizes e não sabíamos, né? Há a necessidade dessa regulamentação, do tratamento da responsabilidade, do tratamento de novas formas obrigacionais -Alexandre de Moraes

A fala de Moraes foi comentada há pouco por Elon Musk, em português em suas redes sociais, marcando a notícia pelo jornal Folha de São Paulo; “Poder ao povo!”

Apesar de parado, o PL das Fake News (PL2630), que é relatado pelo deputado do PCdoB Orlando Silva e é visto pela classe política como o instrumento a ser utilizado na “regulamentação das redes sociais” (responsabiliza as empresas pelos conteúdos postados pelos usuários e cria aparatos para um maior controle de conteúdo pelo Estado), ainda conta com o apoio de caciques do Centrão e do governo, que planejam aprová-lo no Congresso assim que existir a certeza de uma votação positivaÉ esperado que Arthur Lira coloque o projeto para votação (com certeza de aprovação) ainda neste ano (ano eleitoral).

Este tema também já foi citado inúmeras vezes pelo ministro e decano do STF Gilmar Mendes, que até discursou sobre esse o Projeto de Lei em junho do ano passado ao lado de Arthur Lira, na abertura do 11º Fórum Jurídico de Lisboa (evento do próprio ministro). Na época, Arthur Lira responsabilizou as redes sociais pelo projeto não ter votos para passar no Congresso; “ultrapassou os limites do contraditório democrático”.

Como a urgência do projeto já foi aprovada pela Câmara em 25/04/2023, por 238 votos a 192, ele poderá ser votado diretamente no Plenário sem passar pelas comissões da Casa legislativa.

Durante as discussões do projeto, por conta da pressão popular, ao menos 33 deputados que votariam a favor da medida, mudaram seus votos em cerca de duas semanas.

Os deputados que mudaram seus votos (eram favoráveis e passaram a ser contrários ao projeto) são: Adail Filho (Republicanos-AM), Adolfo Viana (PSDB-BA), Alexandre Guimarães(Republicanos-TO), Aluisio Mendes(Republicanos-MA), Amaro Neto(Republicanos-ES), Antônia Lúcia(Republicanos-AC), Bebeto (PP-RJ), Cleber Verde (MDB-MA), Cobalchini (MDB-SC), Fausto Santos Jr. (União-AM), Fred Linhares(Republicanos-DF), Gabriel Mota(Republicanos-RR), Geraldo Mendes (União-PR), Gilberto Abramo (Republicanos-MG), Gilvan Maximo (Republicanos-DF), Gutemberg Reis (MDB-RJ), Icaro de Valmir(PL-SE), Jorge Braz (Republicanos-RJ), José Nelto (PP-GO), Julio Cesar Ribeiro(Republicanos-DF), Lafayette de Andrada(Republicanos-MG), Luciano Vieira (PL-RJ), Luis Carlos Gomes (Republicanos-RJ), Marangoni (União-SP), Marcos Pereira(Republicanos-SP), Maria Rosas(Republicanos-SP), Marussa Boldrin (MDB-GO), Robinson Faria (PL-RN), Rogéria Santos(Republicanos-BA), Sargento Portugal(Podemos-RJ), Silas Câmara (Republicanos-AM), Vicentinho Júnior (PP-TO), Wilson Santiago (Republicanos-PB).


O ministro Alexandre de Moraes também se reuniu nesta tarde, fora de sua agenda, antes de ir ao Senado, com o presidente da Câmara Arthur Lira (também não tinha o encontro na agenda), que tem pela frente pautas que desagradam o Judiciário, como a blindagem de Parlamentares de investigações sem autorização do Congresso e a abertura de uma CPI para apurar abusos cometidos pelo Justiça Brasileira.

De acordos com pessoas que acompanharam a conversa, a reunião teria sido descrita como “dura”.


DISCUSSÃO DA LEI DE DROGAS: O Senado aprovou ontem, em dois turnos, em votações relâmpago, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 45/23) do presidente da Casa Rodrigo Pacheco que proíbe o porte e a posse de todas as drogas, em uma clara resposta ao Supremo, que está discutindo o tema e precisa de mais um único voto para formar uma maioria por descriminalizar o porte e a posse de maconha no Brasil.

O texto da proposta, que foi aprovado com 53 votos a 9 no primeiro turno e 52 votos e a 9 no segundo turno, inclui um inciso ao art. 5º da Constituição Federal para passar a considerar crime o porte e a posse, INDEPENDENTEMENTE DA QUANTIDADE (essa foi a questão principal), de qualquer droga que não tenha autorização da lei.

Respondendo a um argumento do Supremo, que fala em um grande número de prisões de usuários como se fossem traficantes, a proposta também diz que os casos devem ser analisados individualmente, com base nas circunstâncias fáticas do caso concreto, para que diminuam os cessem os enganos.

A PEC agora seguirá para Câmara dos Deputados, que precisará discutir o assunto no Plenário e votar a proposta em dois turnos.

No Supremo, o tema é discutido sobre a ótica da constitucionalidade do artigo 28 da “Lei de Drogas” (11.343/2006) que considera crime “adquirir, guardar e transportar entorpecentes para consumo pessoal”, que na prática poderá levar à descriminalização do porte de maconha para uso pessoal no Brasil.

Com 5 votos a 3, o assunto está paralisado por um pedido de vista do ministro Dias Toffoli, que tem como posição pública conhecida que o tema deveria ser resolvido pelo Congresso.

Pela nova regra da Corte, o ministro tem 90 dias, contando do dia 06/03/2024, para devolver a matéria para votação.

Até o momento, apenas os ministros Cristiano Zanin, André Mendonça e Nunes Marques votaram contra a liberação do porte da droga.

Votaram a favor da descriminalização do porte de maconha para consumo pessoalos ministros Gilmar Mendes (relator, que inicialmente defendia que a medida englobasse todas as drogas, voltando atrás no ano passado e deixando apenas da maconha em discussão), Edson FachinLuís Roberto Barroso, Alexandre de Moraes e Rosa Weber.

Os próximos a votar no Supremo serão os ministros Dias Toffoli, Luiz Fux e Cármen Lúcia.

Fux já comentou sobre o assunto em uma entrevista à britânica BBC e argumentou que a sociedade deveria ser ouvida e que a descriminalização poderia atrapalhar ou acabar com o tráfico. Cárnen Lúcia além de já ter defendido que a maconha não seria uma questão de polícia, e sim de saúde pública, já participou de um evento dedicado à liberação e regulação da droga, o “maior encontro canábico do Brasil” em 2021.

O caso que fez o tema chegar no Supremo foi um recurso do mecânico Francisco Benedito de Souza, que cumpria pena em Diadema (SP) por porte de arma de fogo e sofreu uma nova condenação após encontrarem 3 gramas de maconha dentro da cela dele.

Essa análise no Supremo teve início em 2015 e foi interrompida por um pedido de vista do ministro Teori Zavascki, que morreu em 2017 em um acidente aéreo.

Apesar de ser crime, hoje o porte de drogas para consumo pessoal no Brasil leva o usuário apenas a ser advertido, prestar de serviços à comunidade ou responder à aplicação de medidas educativas.

Com expectativa de liberação no Brasil, deixará de ser crime o porte de maconha, mas não deixará de ser crime a venda da droga (crime de tráfico continuará tendo uma pena de 5 a 20 anos de prisão).

Até o momento, vem se criando uma corrente, criada pelo ministro Moraes, sobre a liberação do porte de “até 60 gramas” de maconha ou o cultivo próprio de até 6 plantas fêmeas por usuário. Os ministros tambem analisarão o aumento sugerido por Barroso sobre o limite de “até 100 gramas” sob a justificativa do combate ao “hiperencarceramento de jovens”.


(Matéria em atualização)

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