Toffoli abre investigação contra a Transparência Internacional dias após organização criticar decisões do ministro e divulgar dados sobre o aumento na percepção de corrupção

Ministro Dias Toffoli | Imagem por Rosinei Coutinho/SCO/STF

BRASÍLIA, 5 de fevereiro — Em uma decisão monocrática de 14 páginas, o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, mandou investigar, utilizando o Tribunal de Contas da União (TCU) e a Controladoria-Geral da União (CGU), a Transparência Internacional para apurar se a organização recebeu ou administrou parte dos valores que foram obtidos com multas em acordo de leniência que foram pagas em acordos firmados com a Lava Jato; a Transparência Internacional, que é um órgão consultivo das Nações Unidas atuante em mais de 100 países, nega que tenha recebido qualquer valor relacionado à Lava Jato.

A decisão monocrática é uma resposta a uma notícia-crime que foi apresentada pelo deputado petista Rui Falcão (PT-SP) e que está parada desde 2021 sobre o acordo de leniência que foi firmado com o grupo J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista, que teve sua multa suspensa pelo próprio ministro Dias Toffoli no último dia 20 de dezembro.

A acusação, também sustentada por advogados do grupo PRERROGATIVAS, diz que a Transparência Internacional recebeu ou receberia parte dos bilhões que seriam pagos em 23 anos pelo Grupo J&F e que seriam aplicados em investimentos sociais.

A Organização diz que nunca recebeu dinheiro algum e que apenas participa nos estudos públicos e formais sobre como esse recurso seria gerido, que tem suas contas em aberto no site oficial, e que chegou até a sugerir ao próprio Ministério Público que esse dinheiro não deveria ser gerido por ele, e que o valor deveria ser administrado pelo governo brasileiro (fundo público).

“Em resposta à decisão do Min. Dias Toffoli divulgada nesta segunda-feira (5), a Transparência Internacional – Brasil esclarece, mais uma vez, que são falsas as informações de que valores recuperados através de acordos de leniência seriam recebidos ou gerenciados pela organização. A Transparência Internacional jamais recebeu ou receberia, direta ou indiretamente, qualquer recurso do acordo de leniência do grupo J&F ou de qualquer acordo de leniência no Brasil. A organização tampouco teria – e jamais pleiteou – qualquer papel de gestão de tais recursos. Através de acordos formais e públicos, que vedavam explicitamente o repasse de recursos à organização, a TI Brasil produziu e apresentou estudo técnico com princípios, diretrizes e melhores práticas de transparência e governança para a destinação de “recursos compensatórios” (multas e recuperação de ativos) em casos de corrupção. O relatório incluía recomendação de que o Ministério Público não deveria ter envolvimento na gestão destes recursos. O estudo e as recomendações não tiveram e não têm qualquer caráter vinculante ou decisório. O Memorando de Entendimento que estabeleceu esta cooperação expirou em dezembro de 2019 e não foi renovado, encerrando qualquer participação da Transparência Internacional. As informações falsas já foram desmentidas diversas vezes pela própria Transparência Internacional e por autoridades brasileiras, inclusive pelo Ministério Público Federal. Apesar disso, estas fake news vêm sendo utilizadas, há quase cinco anos, em graves e crescentes campanhas de difamação e assédio contra a organização. Reações hostis ao trabalho anticorrupção da Transparência Internacional é cada vez mais grave e comum, em diversas partes do mundo. Mas não se pode naturalizar ataques às vozes críticas na sociedade, que denunciam a corrupção e a impunidade de poderosos. Seguiremos cumprindo nosso papel na promoção da transparência e da integridade no Brasil e no mundo.” -nota oficial da Transparência Internacional

Post da organização sobre a investigação

Vale ressaltar que a acusação de que a organização havia recebido dinheiro de alguma multa da Lava Jato já havia sido DESMENTIDA pela própria Procuradoria-Geral da República em 2020.

Na semana passada, a Organização virou notícia criticar as decisões recém-proferidas por Dias Toffoli e ao divulgar dados (IPC) que mostram que o Brasil caiu 10 posições no ranking de percepção da corrupção no ano de 2023, apontando um “enfraquecimento” do sistema judiciário e do Estado de Direito (escala global).

O dado, que foi duramente criticado por alguns membros do Supremo, pelo governo e partidários, foi a pior queda do país desde o ano de 2017, quando o Brasil caiu 17 posições no ranking em relação ao ano anterior.

A decisão monocrática de Toffoli que suspendeu o pagamento da multa do acordo de leniência de R$10,3 bilhões do Grupo J&F (já foram pagos ~R$2 bilhões que poderão ser devolvidos), também serviu como parâmetro para a suspensão da multa acordada com a polêmica construtora Odebrecht (hoje Novonor), no valor de R$3,8 bilhões, que foi anunciada nesta última semana.

Este acordo de leniência com a Odebrecht havia sido fechado com a Lava-Jato em dezembro de 2016 após a construtora confessar corrupção em 49 contratos de obras públicas entre os anos de 2006 e 2014.

Ao todo, 77 executivos da construtora confessaram crimes em acordos homologados pelo Supremo.

Para defender a suspensão da multa, Toffoli seguiu a mesma linha de sua decisão favorável à J&F, que utilizou as mensagens da chamada “vaza jato”, que foram copiadas ilegalmente, para dizer que havia “no mínimo uma dúvida razoável” na “voluntariedade dos acordos” com o grupo, indicando que a Lava Jato se utilizou de meios que levassem as empresas ao caminho das delações e acordos.

“Tenho que, a princípio, há, no mínimo, dúvida razoável sobre o requisito da voluntariedade da requerente ao firmar o acordo de leniência com o Ministério Público Federal que lhe impôs obrigações patrimoniais, o que justifica, por ora, a paralisação dos pagamentos, tal como requerido pela Novonor (Odebrecht)”-Dias Toffoli

Na época dos escândalos da empresa, uma famosa lista de apelidos, atribuídos por diretores da própria Odebrecht, viralizou no Brasil com nomes que seriam dados a políticos e agentes do Estado. Os nomes estavam em planilhas e emails da companhia.

Um nome que circulou na época, foi o do próprio ministro Dias Toffoli, que foi chamado em um email interno de Marcelo Odebrecht de “amigo do amigo de meu pai, em referência ao pai de MarceloEmílio Odebrecht.

O apelido atribuído por Marcelo ao ministro gerou um dos episódios mais graves da democracia moderna brasileira, quando Toffoli determinou, em um ordem assinada por Alexandre de Moraes, a retirada da matéria da Revista Crusoé que falava sobre o assunto. A decisão de Toffoli ainda incluía uma convocação para que os jornalistas, que citaram um email real e uma delação real que estavam nos autos da Lava Jato, prestassem depoimentos na Polícia Federal em 72 horas, além multa diária de R$ 100 mil para um eventual descumprimento da ordem judicial.

Na ordem, Moraes disse que Toffoli “autorizou” a investigação e que conteúdo da reportagem seria “mentiras” e “fake news” como o fim de atingir as “instituições brasileiras”.

Por conta da enorme repercussão negativa pela censura à Crusoé, censura essa que recebeu críticas até de outros ministros do Supremo, Moraes revogou a medida argumentando que ficou comprovado que realmente existia o documento citado pela reportagem.

A empresa, que foi implicada em casos de corrupção em dezenas de países e causou a prisão de vários presidentes e políticos pelo mundo (um ex-presidente peruano chegou a se matar para não ir preso), foi chamada pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos como a responsável pelo “maior caso de corrupção global da história”.

Entre os países que implicaram a Odebrecht em escândalos de corrupção estão o Brasil, Estados Unidos, Suíça, República Dominicana, Panamá, Equador, Peru, Guatemala, Guiné Equatorial, Gana, Moçambique, Colômbia, Argentina, Portugal, México e Angola.

A defesa pela revisão do acordo de leniência do grupo J&F é feita pelo escritório da esposa do ministro Cristiano Zanin, que foi contratado pouco antes de Zanin ser indicado ao posto que ocupa hoje na Suprema Corte (ele até se declarou impedido, em novembro do ano passado, de julgar casos do Grupo J&F, que foram herdados do agora ministro da Justiça Lewandowskique desde que deixou o STF, trabalhava como consultor sênior do Grupo J&F).

Vale ressaltar que a esposa de Toffoli, a ilustríssima Roberta Rangel, também advoga para o Grupo J&F, através do escritório Warde Advogados em um litígio bilionário contra a Paper Excellence, que é controlada pela família Widjajas, da Indonésia (ela mesma assina as petições relacionadas ao caso).

Na briga judicial bilionária com a Paper Excellence, o Grupo J&F utilizou dois pareceres elaborados pelo ex-ministro e agora ex-consultor sênior da J&F, Ricardo Lewandowski.

Os valores cobrados pelo ministro para os dois pareceres e o trabalho como consultor sênior são mantidos em sigilo pelas partes envolvidas e essa não é uma prática ilegal*

Os dois casos são diretamente ligados, pois uma eventual anulação do acordo de leniência do Grupo J&F seria utilizada para tentar cancelar a venda da Eldorado Celulose para o grupo indonésio Paper Excellence, que a J&F tem interesse financeiro em retomar.

A J&F quer alegar, utilizando a possível anulação do acordo de leniência, que vendeu a Eldorado Celulose ao grupo indonésio Paper Excellence por conta das pressões que a Lava Jato fez pelos acordos, ignorando o fato da Eldorado Celulose já estar sendo vendida antes dos acordos existirem.

Em Brasília, a classe política interpreta que Toffoli ainda está proferindo decisões favoráveis ao lado político do governo para se reaproximar do presidente Lula, que já expressou publicamente em eventos em Brasília que se arrependeu de sua indicação ao Supremo.

É esperado que a grande repercussão sobre a suspensão das multas leve a matéria ao Plenário do Supremo.


(Matéria em atualização)

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