BRASÍLIA, 3 de fevereiro — O Superior Tribunal de Justiça (STJ), citando um interesse na sustentabilidade e na contribuição para a redução dos impactos climáticos, aceitou um “empréstimo” sem custo (“comodato não oneroso”), em um ato de bondade e gentileza, de 20 carros elétricos de luxo da chinesa BYD, avaliados em R$ 300 mil a unidade, pelo prazo de dois anos.
A empresa chinesa, que em janeiro do ano passado foi incluída no Congresso na “Emenda Lula” de redução de impostos — batizada assim pelo empenho do governo em sua aprovação, retomada e manutenção — e, em dezembro passou a integrar um regime de benefícios fiscais com duração até 2032, já havia “emprestado”, em mais gestos de generosidade, um veículo de R$ 529 mil à Presidência da República, além de carros para o Tribunal de Contas da União (TCU), para a Câmara dos Deputados e até para jornalistas.
O incentivo concedido à empresa, de acordo com uma conta oficial do governo, resultará em um custo anual de cerca de R$ 5 bilhões aos cofres públicos, um valor significativamente superior aos menos de R$ 1 bilhão que o governo passou a arrecadar com a polêmica e politicamente custosa “taxa da blusinha”.
Vale destacar que, segundo uma auditoria conjunta do Tribunal de Contas da União (TCU) e da Controladoria-Geral da União (CGU), o incentivo tem BAIXO impacto socioeconômico e NÃO cumpre o objetivo de promover o desenvolvimento regional.
Publicamente, a Corte apresentou — em notas — três justificativas para aceitar o empréstimo.
“O teste dos carros elétricos se mostra uma oportunidade de incentivar a inovação tecnológica, de demonstrar o compromisso do STJ com a sustentabilidade e de contribuir para a redução dos impactos climáticos uma vez que esses veículos não produzem emissão direta de dióxido de carbono.”
“Para a montadora interessada, o comodato é uma forma de promover a marca ou uma nova tecnologia, especialmente quando se está ingressando no mercado brasileiro. Como os exemplos citados, é uma estratégica de marketing. É importante destacar que o comodato não oneroso não ensejará nenhuma remuneração direta ou indireta ou qualquer outro benefício indireto do STJ à montadora ou representante interessada.”
“Com o ingresso de modelos elétricos no mercado brasileiro, há montadoras que têm ofertado a opção de comodato não oneroso de veículos a órgãos da administração pública. Possivelmente uma estratégia de marketing da montadora para ganhar visibilidade nacional, difundindo seus veículos na imprensa que registra o acordo estabelecido entre o ente público e a montadora, bem como é uma forma de aproximar seus veículos de possíveis compradores, sejam eles servidores dos órgãos ou usuários do serviço público.”
Cerca de um mês atrás, o governo foi obrigado a resgatar 163 trabalhadores chineses que haviam entrado no Brasil com visto temporário de trabalho e se encontravam em condições análogas à escravidão nas obras da fábrica da BYD em construção em Camaçari, na Bahia.
De acordo com seus contratos, os trabalhadores recebiam US$ 70 por turno de 10 horas, foram obrigados a entregar seus passaportes e documentos à empresa contratante Jinjiang, permitir que a maior parte de seus salários fosse enviada para a China e pagar do próprio bolso um caução de US$ 900, que poderia ser resgatado apenas após 6 meses de trabalho.
Os contratos, que podiam ser estendidos unilateralmente, previam até multas de 200 yuans por xingamentos, problemas de conduta e pela falta do uso de camiseta, tanto nos alojamentos quanto no local de trabalho.
Apesar das denúncias contra a empresa Jinjiang, outras duas companhias, a Open Steel, responsável pela montagem da estrutura metálica da fábrica, e a AE Corp, encarregada de montar a estrutura metálica das linhas de montagem, também mantinham contratos com centenas de trabalhadores chineses na fábrica da BYD na Bahia.
Em entrevistas à Agência Pública, diversos trabalhadores relataram agressões frequentes por parte de superiores, também chineses, que comandavam os trabalhos na fábrica.
Ficando atrás apenas da Toyota e Volkswagen, e superando as tradicionais Ford e Honda, a chinesa BYD tornou-se a terceira marca de carros mais vendida em 2024, com 3,8 milhões de veículos comercializados. Cinco anos atrás, a marca ocupava a 49ª posição no ranking mundial de vendas.
(Matéria em atualização)